Breve diagnóstico da reforma administrativa: o estado nas mãos dos poderosos, o povo refém desse poder

Associação dos Funcionários do INPI - AFINPI divulga importante material sobre a Reforma Administrativa, PEC 032/20, produzido pelo Fórum de Nacional das Entidades Representativas das Carreiras de Ciência e Tecnologia.

 

BREVE DIAGNÓSTICO DA REFORMA ADMINISTRATIVA: O ESTADO NAS MÃOS DOS PODEROSOS, O POVO REFÉM DESSE PODER

O objetivo deste breve resumo, produzido pelo Fórum de C&T, é apresentar algumas das principais transformações na proposta de reforma administrativa (PEC 32/2020). A ideia aqui é apresentar pontos onde estejam explicitados o papel central da reforma – o de ser instrumento do enfraquecimento do Estado brasileiro, preparando a captura dos serviços públicos por interesses privados próximos aos governos de plantão.

Além deste trabalho, o Fórum disponibiliza às suas bases outras análises sobre essa reforma que destrói os serviços públicos. Este trabalho é uma primeira avaliação. Outras poderão surgir, de várias fontes, com mais problemas e dúvidas. A ideia é manter a categoria informada, produzindo e divulgando materiais informativos que desmontem a mentira midiática-governamental de que a reforma é para o "bem do país".

Em linhas gerais, estão abaixo as principais alterações promovidas pela proposta de reforma (e seus desdobramentos na C&T):

Base legal

Do que trata

Consequências

Art. 37

caput

Muda os princípios da administração pública

  • Inclui o "princípio da subsidiariedade", ou seja, o serviço só será realizado pelo Estado se a iniciativa privada não tiver interesse em prestá-lo;
  • A constituição passará a prever como regra a privatização ou entrega dos serviços para OSs.

Art. 37, II-A

 

Introduz tempo de experiência para cargos públicos (passam a ser chamados de vínculos). 1 ano para cargos de "prazo indeterminado" e 2 anos para "carreiras de Estado".

 

Estabelece vínculo com prazo determinado (temporários) como possibilidade.

 

  • Muda a natureza dos cargos (vínculos serão definidos em outro artigo);
  • Tempo de experiência é fase do concurso. Nada impede que, por exemplo, que o governo chame 200 pessoas para período de experiência para 100 vagas, demitindo os de pior "avaliação" na experiência;
  • A igualdade no acesso aos cargos públicos, que já é baixa, acabará, uma vez que só participará da etapa quem pode correr o risco de perder o emprego, excluindo o cidadão pobre que não pode abrir mão de levar renda para casa, e elitizando ainda mais o acesso ao serviço público;
  • Não define quaisquer critérios objetivos de avaliação dessa experiência, o que pode abrir caminho para "subjetividades" do chefete de plantão;
  • Não define carreiras de Estado. Joga para lei complementar.

 

 

Art. 37, XXIII

 

VÁRIAS vedações, como a concessão de adicional por tempo de serviço (já ausente nas carreiras de C&T), fim da licença prêmio (também já extinta no Serviço Público Federal - SPF), fim de férias superior a trinta dias em um ano, impedimento de situações de redução de carga horária, sem redução salarial.

  • Complementa o pacote de maldades colocado em prática pela EC 19, do governo FHC, no que se refere ao SPF. Estados e Municípios contemplados, agora, com essas maldades.
  • Duas questões: se não haverá gozo de férias superior a 30 dias, o governo não mais poderá suspender férias a bem do serviço público?; e as reduções de horário, possíveis para capacitação de pessoal, também estão vetadas? Aparentemente, sim.

Art. 37, §8º

 

Abre as portas para a privatização da gestão dos serviços públicos - abre caminho, via lei ordinária, para contratação de pessoal por prazo determinado, regras para contratação de bens e serviços privados, gestão de recursos próprios

  • Privatização total do serviço público, totalmente nas mãos dos poderosos de plantão.
  • Mais uma vez aprofunda a reforma de FHC na Emenda Constitucional 19, na linha da privatização geral dos serviços públicos (do Estado) brasileiros. Amplia essa privatização, permitindo inclusive empresas (art. 37-A)

Art. 37 §18º

Parágrafo inserido, dá aos chefes dos Poderes, em todos os níveis (federal, estadual e municipal), a tarefa de definir critérios para cargos de Liderança e Assessoramento

  • Essa concentração de poder nas mãos dos chefes dos poderes ESVAZIA TECNICAMENTE ESSES CARGOS. Antes eram para função de direção, e tinham pré requisitos técnicos. Agora, podem ser usado em qualquer função, a critério do chefete. Para quem falava em desaparelhar o governo, um instrumento claro de aparelhamento.

 

 

 

Art. 37-A

Estado, em todos os níveis, poderá firmar acordos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para execução de serviços públicos, compartilhando estrutura física e utilizando recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira.

Será regulado por Lei ordinária federal (aprovada por maioria simples) e valerá para os três níveis da República (Federal, Estadual e Municipal). Enquanto lei não for aprovada, fica nas mãos dos estados e municípios como fazer.

 

  • É A PORTA DE ENTRADA PARA PRIVATIZAÇÃO TOTAL DO ESTADO BRASILEIRO, Projeto das elites econômicas, iniciadas com a possibilidade de terceirização total dos serviços públicos autorizadas por Temer (Decreto 9507/2018).  Diz que haverá uma lei (decidida para os três níveis de governo), mas enquanto não houver, cada um decide como fazer;
  • Ex.: Uma prefeitura pode decidir entregar uma escola ou um grupo de escolas a uma empresa para esta gerir, sem cobrar nada por essa gestão, e ainda pagando pelos serviços. Os funcionários serão contratados diretamente pela empresa, que poderá usar inclusive critérios políticos na contratação (basta ver as relações de compadrio que boa parte dos políticos brasileiros têm como prática);
  • É O MODELO FALIDO DAS OS, APLICADO, POR EXEMPLO, NA SAÚDE DO RIO DE JANEIRO, EXPANDIDO PARA TODAS AS ÁREAS, E ABERTO A EMPRESAS COM FIM LUCRATIVO;
  • Grave ameaça aos Institutos de C&T.

 

 

Art. 39

 

Governo Federal, via Lei Complementar, disporá sobre o regime dos servidores públicos dos 3 níveis, INCLUSIVE CARGOS DE LIDERANÇA E ASSESSORAMENTO.

Cuidará de detalhes como capacitação de servidores e carga horária para acumulação de cargos, além de critérios para progressão e promoção funcional.

 

 

  • Estados e Municípios perdem AUTONOMIA de definir natureza de cargos que costumavam ser de direção;
  • Estados e Municípios perderão poder para decidir suas políticas de gestão de pessoal, em uma medida CENTRALIZADORA E AUTORITÁRIA – não poderão pensar políticas de pessoal de forma diferente do Governo Federal;
  • Este é o artigo onde originariamente estava o Regime Jurídico Único, que protegia os serviços públicos e servidores. Há uma ADIN, sobre alteração proposta na EC-19 do FHC, que queria o fim do Regime (a mesma que permitiu, abriu caminho, para redução de salários). Com a mudança, pretendem consolidar na Constituição esse absurdo.

 

 

 

Art. 39-A

 

Dispõe que entes federativos, no limite de suas competências, discutirão seus regimes de pessoal. Obriga o vínculo de experiência como etapa do concurso público, abre portas para o contrato temporário.

CARREIRAS TÍPICAS DE ESTADO SERÃO DEFINIDAS POR LEI COMPLEMENTAR FEDERAL

 

 

Reforça os absurdos do Art. 37. Não diz a forma legal a ser tomada nessa definição. Em um governo de tendência centralizadora e autoritária, é bastante perigoso para autonomia estrutural dos serviços públicos.

Art. 39-A, §2º

 

 

Estabelece um leque amplo e vago de possibilidades para contratação temporária

(calamidade, emergência, paralisação de atividades essenciais acúmulo transitório de serviço (item I); atividades e projetos de caráter temporário ou sazonal com tempo expresso no contrato (item II), atividades e procedimentos sobre demanda (item III)

VALE PARA EMPREGOS PÚBLICOS (ESTATAIS).

  • A situação calamitosa, com falta de pessoal e acúmulo de trabalho, que atinge boa parte das instituições públicas – e as instituições de C&T são exemplares desse caos – podem ser motivadora de "projetos" que precarizem a mão de obra através desse artifício. Isso é aterrador em instituições científicas, onde a continuidade das atividades é essencial para o acúmulo de saberes necessário ao desenvolvimento estratégico do país.

Art. 41

 

Estabilidade para servidores de carreiras típicas de Estado, APÓS DOIS ANOS DE EXPERIÊNCIA e UM DE ESTÁGIO PROBATÓRIO

Define regras para demissão desses (avaliação de desempenho entre elas)

  • Estabilidade DEIXA DE EXISTIR PARA DEMAIS SERVIDORES.
  • Mesmo carreira de Estado, estabilidade mais difícil de conseguir e, com avaliação de desempenho, mais fácil de demitir.

Art. 41-A

 

Estabelece que LEI ORDINÁRIA definirá critérios para demissão

  • Servidores e serviços estarão nas mãos dos poderosos de plantão e suas desculpas. Uma lei ordinária pode ter critérios simples de demissão – por exemplo, a extinção de um órgão (que, como veremos, pela reforma passa ser ato exclusivo do presidente).

Art. 48, X combinado com art. 84

Limita o poder do Congresso e aumenta o do presidente na gestão da administração pública. Pode criar, fundir, extinguir, cargos, carreiras, ÓRGÃOS, FUNDAÇÕES.

Único senão: não pode gerar com esses atos aumento de despesa

  • DÁ PODERES DITATORIAIS PARA O PRESIDENTE. Congresso só legislará sobre esses temas quando NÃO SE CHOCAR COM ART. 84. O parlamento não é mais ouvido sobre a gestão do Estado;
  • Art. 84: único limite tênue a esse absurdo: isso sempre QUANDO NÃO HOUVER aumento de despesas (único limite ao poder presidencial é o fiscal, mesmo assim muito difícil de mensurar – quem garante que não há aumento de despesas?) liberdade total pra extinção de cargos, fusão e extinção de órgãos.

Art. 173, §6º

É veda ao Estado instituir medidas que gerem reservas de mercado que beneficiem agentes econômicos privados, empresas públicas ou sociedades de economia mista ou que impeçam a adoção de novos modelos favoráveis à livre concorrência, exceto nas hipóteses expressamente previstas nesta Constituição

  • O ESTADO BRASILEIRO ABRE MÃO, CONSTITUCIONALMENTE, DE AGIR CONTRA OS PODERES ECONÔMICOS.